O ABCD em 2021

Um pouco de história

Em 2007 muitas bibliotecas, principalmente públicas ou com poucos recursos financeiros utilizavam o WinISIS, um software distribuído pela Unesco que permitia a criação de bases de dados locais, ou seja, no computador da biblioteca. Muitas vezes somente o biliotecário podia pesquisar no acervo.

Os softwares mais elaborados para bibliotecas eram caríssimos, além da questão financeira na aquisição, a maioria dos softwares exigem uma presença constante da empresa fornecedora e isto custa caro para bibliotecas sem orçamento, algo que não acontecia com o WinISIS que dava autonomia para o bibliotecário, pois era livre e exigia poucos recursos de informática. Até esta época o bibliotecário só precisava entender das técnicas de indexação e um pouco do formato de visualização, qualquer computador servia para instalar o WinISIS que não era um sistema de biblioteca, era apenas um gerenciador de bases de dados, mas mesmo assim era muito simples, acessível e útil para o profissional que precisava automatizar um acervo.

Essa facilidade na manipulação de dados era prática para o profissional bibliotecário, mas para a biblioteca trazia pouco resultado, afinal, o WinISIS não oferecia serviços ao usuário final. Não era possível colocar o catálogo na Internet, algo bem comum nesta época, tão pouco disponibilizar sistemas de reservas de livros e renovação de empréstimos. A biblioteca ficava isolada, seu uso era apenas local e os sites de bibliotecas, principalmente das pequenas eram quase inexistentes.

Apesar das questões acima, o elemento fundamental para a necessidade de substituição do WInISIS foram os novos sistemas com a arquitetura 64 bits que começaram a surgir em 2005. Como a atualização de computadores não é algo tão comum em bibliotecas, o WinISIS conseguiu se manter por bastante tempo ainda.

Em paralelo a realidade brasileira, na Universidade da Antuérpia, o Professor Egbert de Smet dava início ao projeto DOCBIBLAS I (Desenvolvimento e Capacitação em Sistemas de Automação de Bibliotecas com base em ISIS), projeto responsável pela criação, desenvolvimento e disseminação do ABCD nos anos posteriores.

Em 2009 o ABCD foi apresentado ao mundo, a notícia foi muito bem recebida pelos tradicionais usuários de softwares da família CDS/Isis. Finalmente o ISIS tinha um sistema WEB completo, estruturado com 3 módulos centrais e Opac. As bibliotecas poderiam deixar de ser offline e poderiam estar na Internet com poucos recursos, sem gastos com licenças e estruturas de servidores muito complexos.

Mas não foi bem assim.

O ABCD trouxe entusiasmo e ao mesmo tempo esbarrou em algumas limitações técnicas dos bibliotecários acostumados com WinISIS. Com o ABCD era necessário aprender mais sobre servidor Apache, PHP, Utilitários CISIS, WXIS… a exigência de conhecimentos específicos provocou aos poucos uma redução de usuários ISIS, como são chamados os entusiastas da tecnologia desde o MicroIsis. Chegamos ao dilema da biblioteconomia “Profissionais de TI sem conhecimento em sistemas de bibliotecas x bibliotecários com pouco conhecimento em computação“.

O Dilema

O novo sistema da família ISIS veio com as funções básicas de criação de bancos de dados, da mesma forma como havia no WinIsis. O processo de criação manteve a estrutura tradicional de um arquivo com a extensão FDT para as planilhas ou formulários, um arquivo FST com as regras de indexação e um arquivo PFT para o formato de exibição. Até aí tudo bem. Mas para chegar no ponto da confecção de bases de dados o ABCD esbarra na instalação do sistema.

A instalação do ABCD exige conhecimentos básicos de servidor web, no caso o Apache 2. Muitas instituições que possuem um setor de TI provavelmente possui um profissional capacitado para instalar o Servidor Apache, mas o ABCD usa o diretório CGI. O diretório CGI é onde está toda a engrenagem do sistema e seu entendimento é responsabilidade do bibliotecário gestor do sistema. O diretório CGI é onde estão os Utilitários CISIS, programas responsáveis pela manipulação dos dados via terminal, ou seja, assunto do bibliotecário. Algumas poucas (poucas mesmo) instituições ao longo da caminhada do ABCD possuíam um profissional de TI interessado por esses aplicativos, mas estamos falando de indexação, migração de dados, conversão de dados, ISO 2709… assunto de bibliotecário.

A informática hoje (2021) faz parte da vida de todos, já não é mais um assunto exclusivo de programadores ou profissionais de TI. Estes profissionais possuem um conhecimento mais profundo sobre estruturas de rede, servidores e sistemas, mas para o bibliotecário que deseja ser autônomo na informatização de seu acervo é necessário buscar conhecimentos sobre conexões aos servidores (SSH e FTP), comandos por terminal (CMD e Linux), html, css e no caso do ABCD conhecer o ecossistema CISIS.

Pouco se fala do “Bibliotecário de Sistemas” no Brasil, mas no exterior o “Librarian System” é bastante reconhecido. Para trabalhar com software livre é necessário estudar esta variante da profissão.

A questão informática x bibliotecário se resolve quando entendemos essa ramificação da biblioteconomia. O bibliotecário que deseja ser livre na automação de acervos, precisa entender que obter conhecimentos mais aprimorados de computação é adquirir recursos para a disseminação de informação sem vincular-se a uma empresa ou a licenças. O bibliotecário com autonomia na gestão de sistemas, ou seja, o bibliotecário com conhecimentos mais amplos em computação conversa de forma mais direta com os profissionais TI ou torna-se até o próprio gestor do sistema em muitos casos.

A ausência deste perfil ao longo dos 12 anos de existência do ABCD colaborou com sua pouca popularidade se comparada com seu antecessor WInISIS, mas mesmo assim, o desenvolvimento do sistema continuou.

A evolução

Em 2009 começou a segunda parte do projeto, o DOCBIBLAS II, neste momento já estava em curso o contrato com a BIREME, para desenvolvimento do sistema. O patrocínio da Bireme e apoio da Unesco durou até 2016, quando foi lançada a versão 1.5.1. Durante os 7 anos de apoio da Bireme no desenvolvimente do ABCD,o sistema foi implantado em muitas bibliotecas públicas, particulares e arquivos. O sistema passou por grandes evoluções graças a sua estrutura em PHP. Com esta estrutura web o ABCD permitiu saltos que o WinISIS jamais permitiria, como por exemplo, bases de dados de vídeos com vídeos rodando, similar ao YouTube.

O ABCD foi bastante difundido, mas como tratado anteriormente, poucos profissionais se envolveram nessa difusão. Até hoje são poucos profissionais no Brasil capacitados para instalar, configurar e desenvolver em cima do ABCD. A falta de profissionais capacitados na implementação do ABCD e a presença comercial das empresas distribuidoras de softwares proprietários provocaram um movimento de substituição do ABCD por softwares licenciados.

Retomada

As versões do ABCD sempre são lançadas com intervalos grandes de tempo em razão da quantidade de programadores envolvidos. Com o fim da parceria Bireme e Unesco, este intervalo ficou maior entre 2016 e 2018, o que para alguns passou a ideia de que o programa havia sido descontinuado, no entanto o que aconteceu foi o contrário. Sem os contratos com nenhuma instituição o ABCD passou a ser desenvolvido pela mesma equipe que já vinha trabalhando nele, mas com mais liberdade. Agora o ABCD é uma comunidade de profissionais voluntários que trabalham juntos, compartilham códigos e testam exaustivamente.

O ABCD continua sendo um ILS (Integrated Library System), isto é uma característica, cada biblioteca pode escolher seu modelo de software baseada nos fluxos, acervo e processos, apesar do hype das LSP ( Library Services Platform), sabemos que a realidade da maioria das bibliotecas não permitem acompanhar tendências de mercado.

A última versão do ABCD possui os seguintes recursos:

  • módulo ‘Serviços de entrega de documentos online’ (ODDS)
  • módulo OAI (Isis-OAI-Provider da BIREME)
  • recurso de dicionário de sinônimos (consulta do dicionário de sinônimos durante a entrada de dados e / ou pesquisa)
  • vários novos utilitários criando bancos de dados de objetos / cópias de empréstimos,
  • verificador de duplicação
  • verificador de código de barras (para inventário)
  • divisor de registro baseado em campo repetível
  • funções RFID / SIP2 para automação de funções de empréstimo por robôs
  • funções LDAP
  • suporte a Unicode
  • base MARC RDA
  • importação de documentos eletrônicos com idexação completa do conteúdo
  • atualização no layout
  • atualização da logo
  • opac-abcd: com serviços de renovação e reservas de livros para o usuário autenticado
  • entre outras melhorias internas

Hoje o desenvolvimento do ABCD pode ser acompanhado quase em tempo real no Github (https://github.com/ABCD-DEVCOM/ABCD2). Sua documentação está disponível online e está sendo atualizada constantemente (https://abcd-community.github.io/). É possível colaborar tanto com o ABCD quanto com a documentação, basta ter uma conta no github para iniciar.

A velocidade de evolução de um software livre depende diretamente da quantidade de integrantes na sua equipe de voluntários, portanto este texto termina com um convite. Se você chegou até aqui, receba este convite. Ajude a colaborar com o ABCD. Existe muito trabalho a ser feito em vários níveis. É possível traduzir ajudas, corrigir bases de dados, traduzir a documentação, experimentar para avaliar o funcionamento… Um sistema livre e de código aberto não necessita de licenças, grandes empresas, infraestruturas caríssimas, mas precisa MUITO de pessoas. De profissionais que se dediquem a aprender e disseminar o conhecimento para o que o sistema melhore com mais rapidez e consiga atender as expectativas de um software de biblioteca eficiente.

Em 2021 o ABCD está mais vivo e em desenvolvimento como nunca.

1 Comment

  1. O ABCD é um sistema livre que oferece o gerenciamento completo em unidades de informação. Merece ser reconhecido e mais utilizado nas bibliotecas. Espero que continue sendo desenvolvido e divulgado para que mais instituições se beneficiem de todos os seus recursos.

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